O Lopes, moreno como
um mulato, olhos pretos fosforescentes, palavra fácil e ardente, gesto largo e
enérgico, exercia uma espécie de fascinação sobre Rogério, grande menino louro
de olhos azuis e infantis, que lhe bebia as palavras, lhe seguia os gestos e
lhe escutava maravilhado os raciocínios.
Foi ao belga que o argentino começou
a assediar, em longas conversas, com propostas de fuga em que Rogério
perguntava, infantilmente; Para onde iremos depois? Hombre! Exclamava o Paulo Lopes, muito exaltado. Uma vez livres
deste inferno, cada um siga para as suas terras!
Rogério ficava apreensivo. Parecia
muito preocupado com o problema do rumo a tomar, depois de abandonar a Legião.
Talvez não fosse a sua terra o ponto do globo que mais o seduzisse.
Um dia, a um canto da cantina, onde
a Concha, a cantineira, lhes servia generosamente uns copos de ”vermute” falsificado, Paulo Lopes
confidenciou; Temos mais um companheiro para a abalada.
Rogério lançou-lhe um olhar
inquiridor. Paulo Lopes, fez a revelação; O Alexandre está disposto a partir
connosco. Tive com ele uma conversa muito séria, sobre o assunto. Está
resolvido a acompanhar-nos. Rogério parecia duvidar. Não foi sem certo trabalho
que ele se convenceu, acrescentou o argentino. Alexandre afirmava que estava
aqui muito bem. Mas teve de concordar comigo que, para levar vida de campónio
por umas míseras pesetas, então antes em qualquer parte do mundo, onde a vida
do campo renda coisa que se veja, sem a canga da disciplina militar que
suportamos aqui. Visto não haver mais guerra, deviam licenciar-nos, pagando
integralmente até ao fim do contrato. Não fariam nada de mais, que diabo!
Arriscámos a pele, consolidámos o triunfo à Espanha. Agora, que não há perigo,
que os marroquinos se foram abaixo, tragam para aí os paisanos, para colonizar
isto!
Então Alexandre decidiu-se a seguir
connosco? Inquiriu Rogério, ainda na dúvida. Pois claro que acedeu. Afirmou o
argentino. Já te disse; Mostrou-se hesitante, mas acabou por prometer
acompanhar-nos. Temos de nos reunir amanhã os três, para afinar-mos os
pormenores da fuga.
Já tenho o meu plano traçado. Com
mais umas ideias do Alexandre, que ele as tem sempre boas, a nossa fuga vai ser
um êxito, acredita.
Rogério ficou calado. Nem mesmo o
facto de Alexandre, o mais valioso elemento da “Legião”, ter aderido ao
empreendimento parecia comovê-lo ou dissidi-lo.
Creio que, na companhia do
Alexandre, nada há a temer – disse o Lopes. É um homem que sabe tudo, que
resolve tudo. Vale por um batalhão.
Sim o Alexandre vale muito –
concordou o Rogério.
Nesse caso, porque não te decides?
O belga moveu, por momentos, os
lábios sem emitir um som. Depois, tomando o fôlego, como se tivesse que
proferir uma longa tirada, inquiriu: E para onde vai o Alexandre, depois de
abandonar a “Legião”?
Segue comigo para a Argentina –
respondeu o outro – prometi arranjar-lhe um lugar em qualquer empresa do meu
pai, em Buenos Aires.
Hum… - resmungou o Rogério, entre
dentes.
Lopes olhou-o, por instantes. Em
seguida, numa inspiração, perguntou: - Queres que te arranje também emprego na
Argentina?
Os olhos azuis do soldado
encheram-se de uma grande claridade. A sua maior preocupação, ao que parece,
não era o perigo de ser varado a tiro pelos perseguidores, nem as grandes
caminhadas por terras desconhecidas – era o local seguro onde acolher-se,
depois de abandonar a Legião Estrangeira. Dir-se-ia que aquele menino grande
tinha medo de perder-se por esse vasto Mundo. As certezas de um destino, a
promessa de um amparo, emprestavam-lhe outo ânimo.
Mas perguntou ainda, com ar receoso:
- E teremos possibilidades de atingir facilmente a Argentina?
O pior é sair daqui - retorquiu o
Lopes – Quando estivermos bastante longe da Legião, em território Inglês, que é
o mais seguro, mando um telegrama ao meu pai, pedindo-lhe fundos. O que ele me
remeter chegará certamente para fazer-mos a viagem, todos os três.
Mas é difícil alcançar território inglês
– Observou o Rogério – Só se conseguisse-mos atingir Gibraltar. A fuga por esse
lado é quase impossível – replicou o argentino. – O caminho é muito exposto e
está fortemente vigiado. Lembrei-me de alcançar o Egipto.
Rogério soltou um assobio fino e
murmurou: - É muito longe…
Mas o Alexandre acha que é o mais
seguro – Argumentou o argentino. E acrescentou: - Além disso, já tenho o meu
plano para lá chegar. Teremos que atravessar território francês e italiano,
onde não nos convém revelar a nossa proveniência, porque corremos o risco de
ser entregues aos espanhóis. Mas já estudei o processo de passarmos sem sermos
reconhecidos.
Bueno
– disse, por fim, Rogério. Conta comigo. Partirei quando quiseres. Mas não
me faltes, depois, com um lugar na Argentina. Não me importo de trabalhar como
vaqueiro.
Paulo Lopes exultou com esta
resolução e mandou vir mais uma garrafa de vermute
falsificado, que lhes soube melhor que o autentico.
Pajovi Junho
2013