Alexandre interrompeu
aquela torrente de palavras, lembrando:
- Aqui não é o local mais apropriado
para falar dessas coisas. Podíamos dar um passeio pelos campos e aproveitarmos
o ensejo para acabar de combinar o plano.
A ideia foi bem recebida pelo
argentino, que pagou a despesa após o que, saíram.
Na rua, estava muito calor. Lufadas
de ar quente levantavam grandes nuvens de poeira quente e sufocante, que os
envolviam. Caminharam lentamente, procurando a direcção dos campos próximos,
onde anos antes se haviam ferido grandes batalhas. Cruzavam-se, por vezes, com
alguns camaradas que os saudavam com um aceno.
Saltaram umas sebes e foram procurar
abrigo á sombra escassa de uma oliveira. O local era aprazível. Viam-se terras
cultivadas e em alguns pontos mais além, alouravam as searas. Aquilo era a obra
pacífica dos legionários feitos agricultores.
Alexandre sentou-se nuns torrões de
terra e rompeu o silêncio em que se mantiveram desde que saíram da cantina.
- Paulo cuidou admiravelmente dos
pormenores do disfarce e pensou de maneira um pouco vaga em alcançarmos o
Egipto – disse ele, em tom repousado. – A ideia é excelente. O Egipto é a terra
onde estaremos mais seguros. De Alexandria ou do Cairo, podemos apanhar um
navio que nos leve, sob a bandeira inglesa, até Buenos Aires. Mas é preciso
pensarmos de que maneira poderemos percorrer tantos milhares de milhas que nos
separam do vale do Nilo, na situação de proscritos que automaticamente será a
nossa, após a deserção.
- Bem – interrompeu o argentino.-
Pensei seguir o caminho das antigas caravanas, que continua a ser frequentado
por mercadores árabes.
-Exactamente – concordou Alexandre.
– Foi isso que eu também pensei. Mas não esqueçamos que somos três pobres almas
sem dinheiro. O caminho das caravanas não se pode fazer a pé. Equivaleria à
morte certa. Vocês sabem que alguns camaradas nossos foram encontrados mortos,
ainda antes de atravessarem as montanhas e alcançar o caminho que passa do
outro lado. A fuga transformou-se para eles, numa cilada fatal. Há uma coisa
que pode resolver o problema e mesmo assim, a empresa será bastante difícil. É
o dinheiro. Com dinheiro, poderíamos comprar um ou dois camelos, que nos
transportassem. Improvisar-nos-íamos mercadores e dentro de alguns meses,
estaríamos na terra dos Faraós. Ora, confesso, dinheiro não tenho. A minha fortuna toda são vinte pesetas. O resto
está na posse da “Companhia” e não posso reclamá-lo, senão no fim do contrato.
E vocês com que contam?
Paulo e Rogério entreolharam-se.
-Todo o meu dinheiro são doze
pesetas – disse timidamente o belga. Está inteiramente à sua disposição.
Fazia já um movimento para sacar o
dinheiro do bolso. Alexandre deteve-o, com um sorriso, segurando-lhe a manga da
blusa.
- Tenho um pouco mais que isso –
pronunciou o argentino. – Ainda posso reunir umas trinta pesetas.
- Bem, ponhamos de parte a ideia do
dinheiro. Todos três reunidos somamos umas sessenta pesetas. Com isso, não
podemos comprar um camelo. Quando muito, adquirimos um burro e teríamos de
levá-lo às costas, através do deserto… O melhor é guardarmos esse dinheiro,
como reserva, para o que der e vier.
-Nesse caso, é impossível fugir… -
Disse Rogério, a medo.
-O impossível não existe –
sentenciou Alexandre.
-Estou disposto a arriscar tudo! –
Exclamou Paulo Lopes. – Farei a tentativa, mesmo que tenha a certeza de
encontrar a morte pelo caminho.
-Bem, a morte é a melhor solução de
todas as dificuldades. Portanto, não será o medo da morte que nos fará recuar –
disse, muito calmo o checo, a contrastar com a exaltação do argentino. –
Estudemos, primeiro, o itinerário e veremos depois a melhor maneira de o
percorrer.
E, com grande surpresa dos
companheiros, tirou do bolso um papel, que desdobrou sobre os joelhos. Era um
mapa bastante pormenorizado da África do Norte, até à Arábia.
-Onde foste arranjar isso? –
Perguntou o Paulo com assombro.
-Tinha-o guardado há muito tempo.
Quem guarda, acha – respondeu Alexandre.
Lopes debruçou-se logo sobre o mapa,
apontando com o dedo, disse:
-Tive o cuidado de estudar o
percurso até à Argélia, através do pequeno atlas do Saará. Podemos alcançar o
trilho das caravanas do deserto, em três dias de marcha. Para lá de Figig, o
trilho é muito frequentado pelos árabes. Podemos incorporar-nos numa caravana e
seguir com ela até El Golea, ao sul da Argélia.
Pajovi Agosto
2013