quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Laicos de meia idade

Este texto é da autoria de Joana Amaral Dias

Publicado no DN em 19 Fevereiro 2023 — 00:27 

“Quando é que a república portuguesa passa a ser laica? Ainda falta muito? Lá que tal seria uma bela comemoração dos 50 anos do 25 de abril, lá isso seria. Fica a sugestão. Por exemplo, só nestes últimos dois anos, Estado e câmaras transferiram quase 800 milhões de euros para a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). As obrigações sistemáticas que os cofres públicos têm com a religião do Vaticano fazem os palcos da Jornada Mundial da Juventude parecer um copinho de leite.

Em 2004, Portugal renovou a chamada Concordata. Esse acordo atribuiu numerosos privilégios e um inaceitável regime de excepção à ICAR que não devia gozar de mais benesses do que os benfiquistas. Afinal também dizem que são seis milhões e nem por isso devem ter mais direitos do que portistas, sportinguistas, a liga dos últimos, ou a cientologia. Numa sociedade moderna, aberta e plural com separação entre a(s) Igreja(s) e o Estado, a melhor concordata é nenhuma concordata.

Em 1976, a Constituição determinou o princípio da arreligiosidade do Estado que não pode promover uma religião, discriminar ou privilegiar em função dela. Ou seja, a Concordata é incompatível constitucional e politicamente com o regime, fere princípios de universalidade e igualdade de direitos e de obrigações. É um tratado de Tordesilhas imposto pelo clero.

O justo é a liberdade religiosa onde cada um é livre de escolher e todas as confissões são iguais. É isto que distingue a modernidade do Antigo Regime, em que havia uma religião oficial de Estado. Isto é a laicidade.

Num país laico faz sentido que uma instituição de ensino superior como a Universidade Católica (UC), que factura dezenas de milhões de euros anualmente, usufrua de diferentes vantagens, inclusive borlas fiscais ou apoios estatais?! Portanto, cobra propinas de privada, mas paga impostos de pública. Isto é razoável?! A UC é sem impostos e sem vergonha? Os padres abusadores são apenas 5% e a fuga ao fisco só 23%?

Veja-se outra bizarria da concordata - artigo 15: "A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vínculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio". Portanto, a dissolução do casamento pelo Vaticano obriga Portugal a acatar a decisão de outro, fazendo de um Estado soberano mero protectorado de uma teocracia.

Acontece que os privilégios da ICAR não se limitam aos estabelecidos na Concordata. Ao longo destes 50 anos, continuou a acumular novas benesses, desde a presença protocolar especial nas cerimónias oficias, passando pela situação única da Rádio Renascença, pelo aumento das isenções fiscais e pelo financiamento público de equipamentos especificamente religiosos. Por isso é que, entre os tais 800 milhões constam as despesas que os munícipes lisboetas pagaram recentemente por uma igreja nova (€3,52 milhões) ou a factura pesada liquidada pelos escalabitanos pela Igreja de Santa Iria. Os bens são da ICAR, as despesas são dos bolsos de todos nós, católicos ou de outras confissões, anticlericais ou apenas laicos.

Cumpra-se abril, não é assim que costuma bradar? Seria bonita a festa, pá.”






Triunfar sem criticar, é o princípio básico de um líder!

  Se queremos triunfar na vida, não devemos criticar ninguém. Aqueles que criticam os outros são débeis, no entanto aquele que se autocrític...