domingo, 19 de maio de 2013

AVENTURAS DE DOIS AMIGOS – PARTE 1


Deram mais alguns passos hesitantes arrastando as “babuchas mouriscas”, que deixavam na areia um longo sulco, mas Paulo Lopes deteve-se arquejante, amparado pelos companheiros e murmurou, com voz entre-cortada; Não posso mais!
                Rogério e Alexandre trocaram um olhar angustiado, que o outro, todo derrubado para a frente, como se a cada momento fosse cair, não pode ver.
                Olharam depois em redor vagueando a vista pelo deserto, na esperança de que no amplo ermo, aparecesse a salvação. Nada! Tudo era desolação. Nem o vulto de uma palmeira surgia ao longe, a acenar-lhes a promessa de uma pequena sombra.
                Vamos, mais um pouco de energia – aconselhou Rogério, o mais alto dos três e por certo, aquele que devido à sua constituição atlética, parecia mais resistente aos tormentos do deserto.
                Creio que já vejo ali à frente despontar as folhas verdes de uma palmeira… mentiu Alexandre que embora sendo o mais franzino, tentava animar o Lopes, vencido pela fadiga.
                Havia vinte dias que disfarçados naquelas vestes brancas de mouros, se tinham escapado do acampamento da Legião Estrangeira. A ideia fora de Paulo Lopes. Ele contagiara os camaradas com todo o seu entusiasmo, comprara os mantimentos, adquirira a um Árabe amigo os trajos mouriscos, estudara durante semanas, em silêncio e segredo o itinerário a seguir, dera-lhes o último empurrão, quando os companheiros se mostraram hesitantes e era agora o que primeiro se deixava abater.
                A ideia de abandonar a Legião Estrangeira, de que os três eram veteranos, andava há muito tempo a assolar as suas mentes. Mas calavam-na. O receio de que os oficiais suspeitassem de tais planos levava-os a dissimulá-los, ocultando-os dos próprios companheiros de armas.
                O único, que às vezes se atrevia a falar de uma possível deserção, era o Paulo. Mas à cautela, fazia-o em tom de chacota, acrescentando até, cheio de seriedade e aparente convicção, que o Legionário que tentasse a fuga na época em curso deveria ser considerado louco varrido e punido seriamente.
                Compreendia-se um desertor, naqueles tempos terríveis em que se jogava a vida a cada momento; Mas agora, que o soldado fora transformado em colono, trocando a espingarda pela charrua, a baioneta pela enxada, embora sujeito à disciplina militar, parecia pura loucura abandonar uma existência calma, sem riscos, com alimentação e vestuário garantidos e dinheiro no bolso, para gastar no Bar e amealhar uma boa porção.
                Quem seria o imbecil, que vivendo nestas condições de tranquilidade e segurança, quereria trocar tão preciosas vantagens pela vida civil, tão incerta, da qual a maioria dos soldados já se desabituara, ou pelos riscos de uma fuga, que implicava severas punições?
                 O agrupamento era formado por gente das mais diversas condições sociais, vinda muitas vezes sabe-se lá de onde. O passado do homem que se alistava na Legião Estrangeira, para combater, não contava. Era letra morta. A vida, uma existência espinhosa, plena de perigos, começava no momento em que se alistava, muitas vezes para terminar pouco tempo depois no primeiro combate em que entrava. Pouco importava que longe, algures no Mundo, houvesse uma mãe, uma esposa ou uma namorada, para quem esse homem representasse a única afeição. Essas “pieguices” ocultava-as cada um bem fundo no seu coração, como se fossem fraquezas condenáveis. Raros eram os vestígios dessas afeições distantes. Às vezes, no espólio de um caído para sempre no campo de batalha, encontrava-se o retrato de uma mulher, com uma terna dedicatória ou de um velhote (um pai ou avô), que nem sabia em que recanto do mundo o rapaz se encontrava.
                Havia Legionários que nunca falavam da vida passada. Alguns ocultavam crimes que lhes pesavam na consciência e tentavam redimir-se, expondo a vida em locais mais arriscados durante os combates, cometendo temeridades que chegavam a encher de espanto os veteranos, a quem as balas, depois de uma longa vida e vã perseguição, parecia já nem quererem procurar. Outros alistavam-se por simples espírito de aventura. Eram estes, que não tendo vergonhas a esconder, nem episódios amargos a recordar, se mostravam mais faladores, sobretudo nas conversas tidas no Bar, evocando bons tempos nas suas aldeias tranquilas onde nasceram.
                O agrupamento era uma autêntica “Babel”. Nele tinham entrada livre, aventureiros de todos os Países, de todas as latitudes, de todas as raças. Só Ingleses e Norte-Americanos, por um convénio especial, eram proibidos de se alistar. No entanto alguns por lá passaram… Depois de se terem nacionalizado turcos, argentinos ou peruanos. Polacos, russos, lituanos, checos, portugueses, franceses de todo o lado por lá apareceram oferecendo o seu sangue pela causa Espanhola. Porque ela fosse justa? Por amor a um País de que em regra mal sabiam o idioma? Não! Apenas porque ali se arriscava a vida, ou porque se vivia uma grande aventura, ou porque se encontrava um refúgio, enquanto a morte não se lembrasse de os levar.
                 Se Marrocos tivesse instituído a Legião Estrangeira e pudesse pagá-la tão facilmente como os Espanhóis, mais de metade do agrupamento passava-se para as fileiras do agora inimigo.
                O Legionário, em regra, depois de alistado, sofria uma grande desilusão, sobretudo se era um velho ideal de cavalaria que o levava a Marrocos. A disciplina era férrea, brutal mesmo; Os castigos eram pesados, inquisitoriais e as regalias eram poucas. Caía-se numa estúpida servidão. O homem transformava-se numa máquina de matar, com alguns momentos de prazer grosseiro, no intervalo das chacinas. Esses prazeres só contribuíam para o embrutecer ainda mais.
                Muitos arrependiam-se da precipitada resolução, depois de alistados, mas era tarde. Depois de aceite o contrato, por três ou cinco anos, era preciso cumpri-lo até ao fim, se uma bala libertadora não quebrasse o compromisso… Apanhados na odiosa armadilha, não podiam revoltar-se. Só havia um caminho; Aceitar resignadamente aquela vida, como pena que é preciso expiar. Mas coisa curiosa e paradoxal! Muitos deles, quando expirava o prazo do contrato, quando podiam enfim libertar-se, voltavam a contrair novo contrato. E por mais uns anos, repetiam as lamentações conta aquela vida de cão, contra as injustiças dos oficiais, conta a fatalidade de um destino que afinal eles próprios tinham procurado. Os homens terem destas irónicas e paradoxais atitudes.
               


Pajovi   Abril 2013
                 

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